O Evangelho de Jo 20,19-23, proclamado na liturgia do último dia 31 de maio de 2020, a Solenidade de Pentecostes, é o de Jo 20, 19-23. Te convido a fazer a leitura deste texto bíblico antes de prosseguir com a leitura desta reflexão.
Temos escutado muitas reflexões, perguntas sobre como será a sociedade mundial no pós-pandemia. As opiniões são diversas. Há quem acredita que o ser humano será melhor, que este tempo está proporcionando muitos aprendizados. De fato, tempos de crise são tempos de aprendizado. Mas não nos restam dúvidas que a pandemia tem agravado uma série de crises já existentes e que será preciso muito mais do que um crescimento e amadurecimento pessoal para a superação destas crises, embora seja um passo significante e necessário neste processo.
No presente texto, Jesus aparece aos discípulos “à tarde desse mesmo dia” (cf. v. 19), ou seja, o dia da ressurreição. Os discípulos estavam trancados, portas fechadas, por medo dos judeus. Era uma situação difícil, de perseguição e de medo. Era um tempo de crise, onde as incertezas sobre o futuro imperava na mente e nos corações dos seguidores de Jesus de Nazaré.
Estamos em tempos de crises profundas. Sim, crises, no plural, pois a pandemia é um dos elementos desse contexto. Um elemento considerável, que agravou as crises já existentes, mas não é o único elemento problemático neste momento. Assim como os discípulos, nós também temos incertezas sobre o futuro. Vale salientar que é difícil saber quando será o pós-epidemia. Esse será um processo gradual e poderá se estender por muito tempo. Daí a necessidade de pensarmos e construirmos as transformações necessárias desde já.
Os discípulos estavam escondidos numa casa. Neste contexto de pandemia, nós não estamos escondidos, não estamos trancados em casa, mas em isolamento, em distanciamento físico. Há semelhanças e diferenças nestes dois contextos. Mas, uma semelhança é que, igual aos discípulos, este é um momento de repensarmos nossa vida, nossa relação entre seres humanos e de nós com a natureza.
A saudação de Jesus aos discípulos é animadora: “A paz esteja convosco!” (v. 19). Essa saudação foi tão importante, que Jesus a repete, no versículo 21. Jesus sabia que, naquele momento, o que mais aqueles discípulos precisavam era de paz. Mas o curioso é que logo em seguida Jesus envia os discípulos em missão (cf. v. 21) justamente para um contexto de crise. Jesus poderia ter dito aos discípulos para irem descansar, fugir para um lugar mais seguro, mas não o fez. Não que o descanso e a segurança não fossem importantes. Jesus mostrou cuidado com isso em outros momentos. Mas era um envio mais forte, rumo à transformação de uma sociedade de injustiças no reinado de Deus.
E quanto a nós, como será mesmo o pós-pandemia? A paz e o envio de Jesus continuam pra nós hoje. Mas não é qualquer paz. É uma paz fruto de um compromisso (envio) com a defesa da vida, dos direitos e da dignidade dos seres humanos e de toda a natureza. Lembro-me de uma oração poesia do irmão bispo Pedro Casaldáliga, onde ele pede ao Senhor a paz, mas não “a paz dos cemitérios e dos lucros fartos”, mas a “paz da fome da justiça, da liberdade conquistada, a paz inquieta que não nos deixa em paz”.
Estamos todos/as ansiosos/as pelo momento de deixarmos este período de isolamento. Mas importante que esse “deixar o isolamento” aconteça com responsabilidade e no momento mais adequado. Importante e necessário também que esse “deixar o isolamento” seja para nos dedicarmos, ou nos dedicarmos ainda mais, na luta pelas grandes causas da vida. Que possamos deixar de lado a indiferença, a falta de compromisso, o egoísmo, o preconceito, a violência, o medo que outrora possam ter tomado de conta de nossas sagradas pessoas.
Jesus nos dá a paz e nos envia para assumir a missão em tempos de crise sanitária, política, econômica, social e religiosa. A denunciarmos tudo o que mata a vida e nos garante a força de seu Espírito nesta árdua missão.
Por isso te convido a refletir:
- Quais os compromissos em defesa da vida, da natureza você assume? São compromissos simplesmente individuais ou estás assumindo junto a outras pessoas, em grupos organizados?
- Se não estás assumindo ainda nenhum compromisso social, busque em seu bairro, em sua comunidade, município e/ou região grupos que que trabalham com causas socioambientais, de educação popular, de saúde, de conquistas direitos. Procure conhecer, tornar-se um/a voluntário/a. Sua contribuição fará toda diferença.
Finalizando ainda com o bispo Pedro, que o Senhor nos dê “a paz que nos invade com o vento do Espírito… A paz marginal que soletra em Belém e agoniza na cruz e triunfa na Páscoa”. Forte abraço, sem vírus!