Leia atentamente o texto bíblico de Lc 24, 13-35
Este texto é longo! Não somente na narrativa do fato, mas também no caminho (uma distância de cerca de 12km entre Jerusalém e Emaús), na dor, nos sentimentos, na decepção, no medo que aquelas duas pessoas sentiam no momento. As traduções bíblicas nos apresentam essas pessoas no masculino, ou seja, os discípulos de Emaús. Mas sabemos, pelo relato do evangelista João, capítulo 19, versículo 25, que é um casal, Cléofas e sua esposa Maria. Repare que, durante todo o caminho, a mulher não fala. Retrata a cultura patriarcal da época a partir da qual as mulheres são silenciadas na maioria dos textos bíblicos.
O acontecimento narrado é a fuga do casal para Emaús após a condenação e a crucificação de Jesus de Nazaré. Mesmo após as mulheres terem afirmado que a sepultura estava vazia e que Jesus teria ressuscitado, isso foi considerado um boato e assim, deixaram o medo e a decepção tomarem conta de seus corações.
Durante a caminhada Jesus, já ressuscitado, apareceu ao casal, mas não O reconheceram. Mesmo Jesus tendo explicado toda a Escritura da época, ou seja, mesmo tendo utilizado a Bíblia de seu tempo para relembrar tudo aquilo que estava escrito que aconteceria com Ele, não foi o suficiente para O reconhecerem. Mas nesta reflexão não queremos nos deter tanto na caminhada. Queremos ir pra casa do casal.
Nas comunidades, principalmente nos sertões, nas serras, nas florestas e nos bairros, um costume antigo das pessoas é dizer a quem bate na porta: Vá entrando, a casa é sua. Por favor, fique à vontade! A não ser que a pessoa seja bem desconhecida. Nesse caso, depois uma breve conversa, geralmente o convite é feito. O casal de Emaús foi além. Quando iam chegando em casa, Jesus fez que ia passar adiante, mas eles convidaram o desconhecido para ficar com eles, em casa. Sim, um desconhecido, pois não tinham notado ainda que era Jesus. Veja como a casa é importante. É lugar de acolhida, de segurança, de cuidado. Foi importantíssimo para Jesus aquele convite. E igualmente importante para o casal, que reconheceram isso depois.
Mas o que mais chama a atenção neste episódio, e aqui está o ponto central do texto, é que a acolhida bem mais profunda que se deduz deste texto. Além de convidarem um desconhecido para entrar, ainda deram a Ele a possiblidade de dividir o pão, uma ação que é feita geralmente pelas mulheres. São usadas as mesmas palavras da Última Ceia. Creio que Maria, a mulher de Cléofas, tinha reconhecido Jesus desde o primeiro momento em que Ele aparecera no caminho. E, por isso mesmo, passou a Ele a tarefa do partir o pão.
Que coisa mais linda! Foi no partir do pão que reconheceram, de fato, quem era aquele Homem. Jesus utilizou a Bíblia, mas no máximo ardeu o coração. A Palavra é importantíssima, mas sem a partilha do pão, da solidariedade, da defesa da vida, não produzirá frutos. Vai arder o coração, mas precisa ser transformada em gestos concretos.
Estamos vivendo um momento de pandemia e, por conta disso, estamos enfrentando a necessidade de vivermos um tempo em distanciamento social, em nossas casas. Aprendemos com a Bíblia, especialmente nesse texto, que a casa é lugar de acolhida, de partilha do pão, de reconhecimento de Jesus. Mas precisa que tomemos a iniciativa de olhar para nossa casa dessa maneira. Feliz de quem tem uma casa para viver esse período de distanciamento. Quem não tem, corre maiores riscos, inclusive de perder a vida.
Por isso, queremos propor o seguinte compromisso: viva intensamente esse momento em casa, buscando no cuidado com você mesmo e com seus familiares, na arrumação da casa, no cuidado com as plantas e animais domésticos, nos momentos de oração e descontração, na partilha diária do alimento, reconhecer a Jesus de Nazaré e fazer de sua casa uma Igreja. Os templos estão fechados, mas a Igreja Viva somos nós! Nossa casa é importante!