A ESPERANÇA E A REBELDIA EM TEMPOS DIFÍCEIS (Lucas 6, 20 – 26)

Introdução

Esperança e rebeldia são dois elementos importantes e necessários a qualquer profecia. Isso mesmo! Nossa conversa de hoje é sobre profecia em tempos difíceis, à luz da Boa Notícia de Jesus. Para tanto, sugerimos que você leia o texto do Evangelho de Lucas, capitulo 6, versículos de 20 a 26, antes de seguir com a leitura da reflexão.

Este texto de Lucas é conhecido como As Bem Aventuranças, ondeJesus de Nazaré proclama algumas pessoas felizes, mas diz que são malditas aquelas que praticam a opressão. É o Sermão da Planície, um texto de anúncio e denúncia. Faz parte da atividade de Jesus na Galiléia e é bem possível que Jesus tenha feito esse discurso em outros momentos de sua pregação, pois sempre estava rodeado de pessoas marginalizadas.

Jesus era conhecedor da desigualdade social de sua época. A divisão entre ricos e pobres ocasionava alegrias pra uns e tristeza para outros. Contudo, em meio ao conflito, às necessidades, às injustiças, alimentar a esperança, a rebeldia, a resistência e a fé num Deus que faz sua opção primeira pelos pobres é fundamental para a superação das desigualdades. Por isso que Jesus proclama felizes os sofredores de sua época. Aqueles e aquelas que os sistemas políticos e religiosos tornavam infelizes, Jesus proclama uma felicidade em Deus: os pobres, os famintos, os que choram, os que são odiados, perseguidos, rejeitados, insultados. Também porque Jesus sabe que os empobrecidos e empobrecidas estão mais abertos para acolher a proposta de salvação de Deus anunciada por Jesus de Nazaré. Esta opção pelos empobrecidos e empobrecidas é essencial no projeto de salvação do Deus de Jesus, opção revelada desde os tempos antigos, pela pregação dos profetas (cf. Is 29, 19; 57, 15; 61, 1). As bem-aventuranças são uma mudança de rumo, uma inversão da situação de opressão para uma situação de libertação.

Era preciso transmitir uma mensagem de esperança para quem esperava por uma luz divina. Na verdade, mais do que um discurso, as bem-aventuranças revelam um projeto de vida e de sociedade, onde os últimos serão sempre os primeiros e é a partir dos últimos que o Reino se torna realidade.

A esperança

A primeira bem-aventurança afirma que o Reino de Deus é dos pobres. Os pobres materialmente, mas também os simples, os humildes, aqueles que priorizam o essencial da vida e não se deixam dominar por situações opressoras. Esse é um projeto revolucionário, na contramão dos reinos fundamentados nos princípios deste mundo, como a exclusão, a opressão.

A segunda bem-aventurança passa pelo estômago. No Reino de Deus ninguém passa fome, porque a vontade de Deus é que todas as pessoas vivam em abundância, com dignidade. Onde falta comida falta a dignidade da vida. Alimentar-se é um direito humano, ético, evangélico e precisa ser garantido. Saciar a fome sempre foi um elemento forte da pregação dos profetas (cf. Is 49, 10; Jr. 31, 12.25; Ez 34, 29; 36, 29).

A terceira bem-aventurança alude ao choro, expressão nessa situação de sofrimento. Quando a dor está muito forte, chora-se como forma de externalizar o que está dentro. Os que choram haverão de rir quando forem libertos dos poderes do mal.

E a quarta bem-aventurança declara felizes os perseguidos, os odiados, os insultados. Quem defende um projeto de vida contrário ao projeto de morte dos sistemas incomoda. Quantos profetas foram perseguidos (cf. Lc 11, 47 – 51), quantas pessoas sofreram o martírio. Os poderosos tratam logo de tirar do caminho quem incomoda. Mas o valor está em resistir na luta, em não desistir. Ser perseguido por causa do Filho do Homem significa que uma pessoa assumiu o projeto de Jesus de Nazaré como seu projeto de vida e missão.

A profecia

Em meio àquela multidão deviam estar também pessoas ligadas às estruturas opressoras da época, fossem políticas ou religiosas, até mesmo para vigiar Jesus. Jesus devia conhecê-las bem e, notando ali a sua presença, não hesitou em dirigir a elas um alerta pelo mal que praticavam. As ameaças que seguem também são muito fortes e diretas, sendo também um apelo à conversão. Aos que se consideravam felizes, Jesus revela a sua infelicidade. 

O primeiro ai é direcionado aos ricos, aqueles que já possuem a sua consolação. Esta consolação está posta no poder, na riqueza adquirida através da expropriação dos pequenos e pequenas, dos impostos exorbitantes cobrados, no poder opressivo exercido sobre as pessoas empobrecidas. Vivem bem às custas dos outros. A opressão é um crime, mas o sofrimento do povo não passa despercebido aos olhos de Deus. Por isso Jesus faz denúncias tão fortes, pois a missão é o anúncio do projeto do Pai.

O segundo ai refere-se aos saciados. Um dia saberão o que é ter fome e não ter pra comer. Jesus com certeza está se referindo àquelas pessoas que comem às custas do suor e do trabalho dos outros, que possuem fartura na mesa, mas não sabem partilhar. Saciar a própria fome e não buscar saciar a fome dos irmãos e irmãs é o pecado do egoísmo, do individualismo.

O terceiro ai refere-se àqueles que riam. Talvez riam da cara dos empobrecidos e empobrecidas, riam do seu sofrimento, das tristezas do povo daqueles lugares. Rir nem sempre é expressão de felicidade verdadeira. Quem rir pensando estar tudo bem, um dia saberão o que é fazer luto por perder seus parentes e amigos de forma injusta; saberão o que é lágrima de sofrimento.

O último ai refere-se àqueles que são tratados com muita reverência, com status, não porque o merecem de fato, mas pelo cargo que ocupa ou até mesmo por uma exigência legal. Mas haverá dias em que esse tipo de tratamento não valerá de honra alguma e serão reveladas as verdadeiras identidades. 

Alargando

Rebeldia é um termo que significa não estar em conformidade com algo, é o ato de rebelar-se, uma reação, oposição, resistência. Geralmente é usado de maneira pejorativa, aplicado às pessoas que desobedecem normas, que resistem em cumprir regras, que agem contrárias ao convencional. Mas vale a pena, antes de qualquer julgamento, analisar que tipo de norma está sendo desobedecida, que tipo de regra está sendo rejeitada. Nem tudo aquilo que é legal é justo. E o que é injusto ninguém está obrigado a obedecer. A justiça é um princípio universal, válido e necessário em qualquer situação. Portanto, o que é contrário à justiça precisa ser mudado.

Olhando a partir desta outra ótica, o termo rebeldia recebe um significado totalmente diferente, ético, evangélico, humano. Rebelar-se contra o que ameaça e destrói a vida é um primeiro passo para a superação de uma situação de morte. Pessoas extremamente rebeldes marcaram sempre a história dos povos. Podemos citar algumas: Martin Luther King, Dom Oscar Romero, Che Guevara, Ir. Dorothy Stang, Pe. Ezequiel Ramim, Margarida Alves, Antônio Conselheiro, Beato Zé Lourenço, Dom Tomás Balduíno, Jesus de Nazaré, Pe. Cícero Romão Batista, dentre tantas outras. Existem ainda entre nós, vivos, outras tantas pessoas que são exemplos de rebeldia a favor da vida. 

Diante de tanta injustiça e desigualdade, até que ponto temos em nós a rebeldia necessária, humana, ética, evangélica de defesa da vida? Ou simplesmente nos deixamos dominar pela consciência do que está errado, mas cruzamos os braços na hora de fazer o enfrentamento, de gritar contra, de rebelar-se?

A exemplo de Jesus, precisarmos proclamar em alto e bom tom que felizes são aqueles e aquelas que continuam sofrendo os horrores das injustiças. São felizes os indígenas, quilombolas, camponeses e camponesas, ribeirinhos e ribeirinhas, pescadores e pescadoras artesanais e tantas categorias de populações da terra, das águas e das florestas que têm seus territórios ameaços, expropriados, destruídos. São felizes os que moram nas periferias, das cidades, os que sofrem violência e tortura, a população de rua, os catadores e catadoras de material reciclável, a população de rua, as crianças, mulheres, jovens e idosos. São felizes porque Deus não os abandona jamais, mas o desejo do coração de Deus é que se cesse todo o sofrimento dessas pessoas na terra. Por isso, proclamar a felicidade dessas pessoas passa necessariamente pelo compromisso com a vida e os direitos dessas mesmas pessoas.

Apenas dizer que são felizes não basta. É preciso fazer o enfrentamento às pessoas e sistemas que promovem o mal. Dom Tomás Balduíno, fundador da CPT, sabiamente nos disse certo dia: Não basta ser a favor dos pobres, é preciso ser contra os exploradores dos pequenos. Essa luta não é fácil, mas é condição para estar no caminho de Jesus de Nazaré.

A rebeldia educa, transforma, impulsiona gestos de solidariedade, constrói projeto novo. E quanta rebeldia bonita vivenciamos nas lutas dos povos. Lutas regadas de teimosia, de esperança, de fé, de coragem. Essa é a felicidade que vem de Deus! Não cai pronta num pacote, mas é revelada a partir da união, do serviço, da profecia entre homens e mulheres que se engajam na difícil, mas feliz tarefa de gestar um mundo novo, onde caibam todas as pessoas, onde não haja mais ricos e pobres, opressores e oprimidos, palácios e barracos.

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