Para início de conversa, convido a você e a ler o texto bíblico de Rute 1, 1-22. A história de Rute e Noemi, nora e sogra respectivamente, é a história dos pobres que, na hora da agonia, quando lhes falta a segurança, a solução é a união, o companheirismo, não abandonando o próximo à sua própria sorte. Na condição de estrangeiras, Noemi nas terras de Moab (1, 1) e Rute em Judá (1, 4), estas mulheres, viúvas, marcadas pelo sofrimento, decidem seguir a vida juntas. A saga destas duas mulheres está narrada em 04 capítulos do Livro de Rute, uma pequena novela do Primeiro Testamento, com uma lição de vida muito importante ainda hoje.
A morte cedo bateu às suas portas e entrou. Os homens, maridos e filhos, aqueles que lhes garantiam a segurança perante a lei, não existem mais (1, 3.5). Noemi queria que Rute ficasse na casa da mãe, enquanto ela voltaria para Belém (1, 8), pois soubera que Deus tinha visitado sua terra com a benção do pão, depois de um período de fome (1,6). Justamente a ausência de pão em Belém, que significa “casa do pão”, foi a causa da migração da família de Noemi para Moab. Noemi era idosa e sabia que não casaria mais, nem geraria mais filhos (1, 12). Rute, porém, disse não! Decidiu não abandonar a sogra e assumir sua história, pois sabia que em Belém ela poderia reconstruir a vida, buscando seus direitos contidos na Lei do Levirato (cf. Dt 25, 5 -10), onde o parente mais próximo do marido tinha o dever de resgate da viúva.
O livro de Rute é um dos mais belos do Antigo Testamento. Numa atitude de quem ama de verdade, Rute declara a Noemi: “Teu povo será o meu povo e teu Deus será o meu Deus” (1, 16). Que bela declaração! É a coragem de uma mulher que deixa sua terra, sua parentela e faz morada em terra estrangeira, vai viver entre um povo desconhecido e prestar culto a um Deus também desconhecido por ela. Diante de todas as dificuldades, as duas não se largam, planejam juntas a vida, aconselham-se e bendizem-se mutuamente.
Aqui está o segredo da vida em comunidade e de qualquer relação entre as pessoas. Mais do que um território geográfico, a comunidade é local de relação fraterna, de ajuda mútua, de solidariedade. Para Rute e Noemi não existem mais fronteiras. O que existe é o compromisso do cuidado de uma com a outra, não importando o lugar ou a situação em que se encontrem. É um doar-se totalmente, assumindo todas as consequências.
Quem melhor do que os pobres para entender o sentimento entre Rute e Noemi? É no sofrimento e na luta que o companheirismo se prova. Onde estão as Noemis e Rutes de hoje? Entre os pobres, nas comunidades camponesas e periferias das cidades, nos acampamentos sem terra e de pescadores, nas ocupações urbanas e no povo da rua, nos sofredores da seca e nos atingidos por grandes projetos do capitalismo; nas mulheres violentadas, discriminadas, marginalizadas, viúvas; nos migrantes e vítimas do tráfico de pessoas e trabalho escravo, em qualquer lugar onde o amor seja a bandeira maior e a luta pela justiça o caminho ser percorrido.
Para finalizarmos essa conversa, convido a você a refletir a seguinte pergunta: como estou sendo solidário/a com quem sofre? Qual a minha atitude diante das necessidades de pessoas que estão ao meu redor? Como posso ser mais solidário/a? Que o exemplo de Rute e Noemi oriente as mulheres e os homens que decidem assumir sua vocação de maneira comprometida com o Reinado de Deus, através do engajamento nas lutas populares, fazendo suas as dores e esperanças dos pequenos e o projeto de libertação do Deus dos pobres, a serviço dos pobres da terra.