No último dia 15 de novembro de 2020 a Igreja no mundo inteiro celebrou o IV Dia Mundial dos Pobres. A celebração, que une uma grande jornada de oração com um imenso mutirão de solidariedade em favor dos sofredores e das sofredores, é realizada num momento em que a humanidade inteira sofre as consequências de um vírus destruidor, a pandemia de COVID-19 e, ao mesmo tempo, o agravamento de tantas outras pandemias, como a da indiferença, do ódio, da violência, da ganância que, infelizmente, está presente em todos os cantos da terra.
O texto bíblico que motivou este Dia Mundial dos Pobres é do livro de Jesus Ben Sirac, conhecido como Sirácida (Sir) ou também como livro do Eclesiástico (Eclo), a saber: “Estende a tua mão ao pobre” (7,32). Faz parte de uma coletânea de conselhos e provérbios que o autor, um sábio judeu, direcionou para que o povo daquela época trilhasse o caminho da sabedoria, que passa necessariamente pelo caminho da justiça. O gesto de estender a mão tem grande significado bíblico. Vai para além do estender somente as mãos, mas significa estender os braços, acolher por completo a outra pessoa, a quem está caído/a. Portanto, o Dia Mundial dos Pobres é um chamado ao compromisso humano e evangélico de acolher por inteiro a quem caiu ou foi derrubado. E não é um chamado apenas à Igreja Católica, mas a toda humanidade. E não poderia ser diferente, sendo uma iniciativa tomada por um pastor universal que traz no nome e no pontificado a memória e a história de Francisco de Assis, o Papa Francisco.
Na mensagem de Francisco para este Dia Mundial dos Pobres, encontramos a seguinte passagem sobre o Sirácida: “Nele encontramos as palavras dum mestre da sabedoria que viveu cerca de duzentos anos antes de Cristo. Andava à procura da sabedoria que torna os homens melhores e capazes de perscrutar profundamente as vicissitudes da vida. E fê-lo num período de dura prova para o povo de Israel, um tempo de dor, luto e miséria por causa da dominação de potências estrangeiras. Sendo um homem de grande fé, enraizado nas tradições dos pais, o seu primeiro pensamento foi dirigir-se a Deus para Lhe pedir o dom da sabedoria. E o Senhor não lhe deixou faltar a sua ajuda”
De igual forma, a realização desta grande jornada acontece em tempos igualmente sombrios, de luto e de dor, de grande prova para todos os povos. Somos chamados e chamadas e sermos instrumentos de Deus através do amor, da solidariedade e do acolhimento de nossos irmãos e irmãs sofredores. Através também de nós, Deus não deixará faltar sua ajuda a quem precisa.
No entanto, a proposta da Jornada Mundial e do Dia Mundial dos Pobres é algo que faz parte da essência do ser cristão, da essência da Igreja também. Por isso mesmo, toda solidariedade e compromisso desejados devem ser marca de toda uma vida cristã. Mas momentos como este nos ajudam a não esquecermos do que é essencial na vida.
A pandemia de COVID-19 agravou uma série de injustiças que recaem cotidianamente sobre os pobres de hoje. A fome, a violência, a falta de moradia, de emprego e renda, a destruição da Criação, o preconceito e ódio, o tráfico de pessoas e a escravidão, o abandono e tantas outras mazelas, pecados também, são marcas ainda de uma sociedade mundial que não aprendeu a viver sua humanidade verdadeira. O capitalismo e tantos outros sistemas políticos e econômicos que se baseiam no lucro e no poder estão levando o planeta ao um caos econômico, mundial e climático, difícil de reverter no ritmo em que as situações estão acontecendo.
São tempos de mudanças políticas em diversos países, como no Brasil. Triste ver que uma onda conservadora avançou em diversos municípios deste nosso imenso país nas eleições municipais. A tão sonhada consciência política a partir do direito do voto ainda é um desafio a ser enfrentado e uma vitória a ser conquistada. Temos muito trabalho pela frente!
Não podemos negar, todavia, que há vitórias significativas, mesmo que pequenas. Nas eleições municipais acontecidas no mesmo Dia Mundial dos Pobres, por exemplo, várias pessoas oriundas das periferias, dos movimentos sociais, das pastorais, como jovens, mulheres, negras e negros, LGBTQIA+, trans conseguiram eleger-se. Algumas candidaturas coletivas foram eleitas, mostrando que é possível democratizar mais ainda os espaços de governança. Essas mudanças são fundamentais para a superação das situações de pobreza, que são estruturais, surgem da negação dos direitos básicos a milhões de pessoas. Portanto, ter pessoas com compromisso, de fato, com a justiça nestes espaços de governança é fundamental para a mudança que queremos.
Muitas iniciativas foram realizadas na Jornada Mundial dos Pobres este ano. É nosso desejo e compromisso que essas iniciativas se fortaleçam ainda mais e ganhem proporções cada vez maiores, criando uma enorme teia da solidariedade entre os povos. Enquanto os governantes teimam em priorizar seus cargos, o poder e o lucro, o caminho para os pobres foi, é e sempre será a irmandade, a solidariedade, a fraternidade e a sororidade, o estender cotidiano das mãos para levantar do chão os preferidos e as preferidas de Deus, justamente por sofrerem nesta terra as agruras de uma vida toda.
Você participa de alguma iniciativa de socorro aos pobres, seja emergencial ou permanente? Este é nosso convite: se participa, tenha coragem e continue firme. Se não participa, torne-se um instrumento de vida na vida de tanta gente necessitada em sua família, sua rua, seu bairro, sua comunidade, seu município e até em âmbitos mais regionais. A mudança está nas minhas, nas tuas, em nossas mãos. Estendamos, pois, nossas mãos aos pobres!